domingo, 8 de julho de 2012

PADRES DO DESERTO - VIDA DE SANTO ANTÃO (1ª PARTE) - POR SANTO ATANÁSIO

Estaremos postando a partir dessa a vida de Santo Antão, que foi descrita e narrada por Santo Atanásio de Alexandria, grande Doutor da Igreja. Santo Antão foi o fundador da vida cenobítica no oriente, portanto, tem grande relevância na história do cristianismo católico.

1. Santo Atanásio de Alexandria
O autor da "Vida de Santo Antão" é o insigne patriarca de Alexandria, Santo Atanásio. Nasceu cerca do ano 295. Em 325, sendo diácono, acompanhou o patriarca Alexandre, seu predecessor, ao Concílio de Nicéia, onde foi condenada a heresia ariana. Foi consagrado bispo de Alexandria a 08 de junho de 328. Toda sua vida pastoral viu-se envolvida pela controvérsia e lutas desencadeadas pelo arianismo, constituindo-se ele um dos baluartes da verdadeira fé proclamada pelo Concílio de Nicéia. Por cinco vezes foi desterrado de sua sede, sob os imperadores Constantino, Constâncio, Juliano e Valente. 

Entre 335 e 337 esteve em Tróvoris; entre 339 e 346, em Roma; os três últimos desterros passou-os no deserto do Egito: 356-362, 362-363, 365-366. Voltando finalmente a Alexandria, morre em 373. Nada sabemos sobre sua formação, seus mestres, seus estudos. Segundo seu próprio testemunho, alguns de seus mestres morreram durante as perseguições; em consequência, eram cristãos. Em todo caso, seu âmbito era a Igreja. Sem vacilar entrega-se a seu serviço e à sua defesa. parece ser mais copta do que grego. Fala e escreve copta. Conhece seu povo, pois dele provém. Sua comunidade vai apoiá-lo sempre, através de todas as turbulências de sua vida agitada. Dos quarenta e cinco anos de sua atividade episcopal, passou quase vinte no desterro. Isto explica que a maior parte de suas obras tenham surgido da contenda anti-ariana. 

Não pretende fazer literatura, mas apenas ensinar e convencer. Fora de uma obra em duas partes (Contra os pagãos e Sobre a encarnação do Verbo), escrita em seus tempos de diácono do patriarca Alexandre, a maioria de suas obras teológicas se dedicam a rebater o arianismo e defender a fé nicena, e nelas predomina o tom polêmico, chegando à ironia e ao sarcasmo. (Três sermões contra os arianos,Apologia contra os arianos, Apologia ao imperador Constantino, Apologia sobre sua fuga, História dos arianos para os monges). Mas Santo Atanásio foi também pastor de almas. Infelizmente perderam-se muitas de suas obras, especialmente seus comentários à Sagrada Escritura. Entre seus escritos sobressaem suas cartas pastorais pascais e um tratado sobre a virgindade.

2. Santo Atanásio e o monaquismo

Santo Atanásio não foi monge, mas acha-se em lugar muito destacado nas origens do movimento monástico.Sua vida, como a de todos os Padres da igreja do século IV, foi sumamente ascética. Ainda que seus estudos, segundo o testemunho de São Gregório Nazianzeno, não tenham sido especialmente amplos, possuía ele um grande domínio da Sagrada Escritura. Desde muito cedo parece ter estado em relação com os monges, particularmente com Santo Antão. Dois discípulos deste o acompanharam em seu desterro a Roma em 339, e entre os monges buscou e encontrou colaboradores durante sua luta anti-ariana, confiando a alguns deles sedes episcopais. Todas estas relações de amizade e mútua compreensão - os monges apoiaram amplamente a causa de Santo Atanásio, e este defendeu e propagou o nascente ideal no Oriente e no Ocidente - fizeram-se mais sólidas e profundas durante os três últimos desterros do bispo, na Tebaida e entre os monges pacomianos. Em face à resistência de muitos bispos, Santo Atanásio soube compreender o valor do movimento monástico, estimulou-o, influiu grandemente nele através de seu contato pessoal e de seus escritos, propagou seus ideais e o estabeleceu definitivamente como movimento de Igreja. 

É indubitável que, fora a ajuda de Deus e sua própria convicção e a adesão inquebrantável de seu povo de Alexandria, Santo Atanásio encontrou no apoio entusiata do monaquismo copta um grande consolo em sua luta e em seus desterros. Aqui se destaca de modo especial a amizade de Santo Antão: segundo o historiador Sozomeno, escreveu ao imperador Constantino em favor de seu amigo, e não vacilou em apresentar-se na própria cidade de Alexandria. É indubitável também que, fora do influxo doutrinal, a presença de Santo Atanásio foi decisiva na orientação essencialmente escriturística e evangélica do movimento monástico. E, entre todas as suas obras, é sua "Vida de Santo Antão" a que constitui sua mais significativa contribuição ao desenvolvimento do espírito monástico.

3. A "vida de Santo Antão"

Santo Atanásio escreveu a "Vida", segundo alguns, por ocasião de seu primeiro desterro no deserto, na Tebaida, encontrando-se entre os monges, 356-362; segundo outros, tê-la-ia escrito em sua volta definitiva a Alexandria, depois de 366. Atualmente já ninguém discute que tenha sido efetivamente Santo Atanásio o autor da "Vida". O que se discute entre os entendidos é, sim, o caráter dessa biografia, isto é, qual o seu gênero literário, a veracidade histórica de seu conteúdo, o próprio pensamento de Santo Antão. Parece haver acordo em aceitar que o substancial dos dados contidos na "Vida" corresponde ajustadamente à verdade histórica, Santo Antão, não é, pois, uma figura mítica, pura criação de Santo Atanásio, como tampouco o são as diversas circunstâncias e etapas de sua vida. No entanto, deve-se conceder que os diversos episódios, separadamente considerados, não têm todos a mesma qualidade. A maior dificuldade se apoia na apresentação da doutrina espiritual de Santo Antão e em alguns aspectos de sua luta contra os demônios; é evidente que se no essencial Santo Atanásio é fiel à figura de seu herói, não é menos certo que expõe suas próprias reflexões sobre o tema. 

Não cremos que se possa ir tão longe como afirmar que a "Vida" é um tratado de espiritualidade; ela é, efetivamente, uma biografia, que pretende credibilidade histórica (5:7), mas que tem, além dessa finalidade expressa, também outra, abertamente declarada: dar aos monges um modelo digno de imitação (4; 93,1.9; 94,1). É possível que Santo Atanásio tenha tomado em conta o gênero biográfico da antiguidade e que tenha inclusive conhecido determinadas biografias de autores pagãos que puderam ter-lhe servido de modelo. De qualquer modo, deseja demonstrar que o copta iletrado que foi Santo Antão superou amplamente todos aqueles heróis ou homens divinos, não por suas próprias forças, mas pela graça de Deus (5,10; 7,1; 38,3; 78,1.2; 84,1; 94,1). Dificuldades aparte apresentam os dois longos discursos dos caps. 16-43 (sobre o combate espiritual) o 72-80 (contra os arianos). Sabe-se que os historiadores antigos costumavam pôr na boca de seus heróis discursos ou sermões nos quais expunham seus próprios pontos de vista ou sintetizavam livremente as opiniões atribuídas a seus biografados. É provável que Santo Atanásio tenha também recorrido a este procedimento. Contudo, principalmente no primeiro dos discursos dever-se-á reconhecer que se trata do resultado de um influxo recíproco; dadas as íntimas relações entre Santo Atanásio e o mundo monástico do deserto, especialmente Santo Antão, os discursos espirituais refletem a sabedoria experimental dos monges, mas igualmente as reflexões e sabedoria pastoral do patriarca alexandrino. Pois bem, a conferência espiritual dos caps. 16-43, que constitui um quarta parte de toda a "Vida" é a que justamente apresenta o traço que costuma chocar o leitor não iniciado, o mundo horripilante dos demônios. Esse discurso foi caracterizado às vezes como verdadeira súmula de demonologia. Talvez não seja possível dar uma explicação absolutamente satisfatória desse fenômeno. 

Como todo documento antigo, incluído o Novo Testamento, também a "Vida" dá provavelmente mais lugar ao mundo do maravilhoso, e, portanto, do demoníaco. Muitos serão os fatores que influiram: incapacidade para discernir causas naturais; a convicção de que deuses e ídolos pagãos eram em realidade demônios, que se enfureciam contra os cristãos por sentir ameaçado seu domínio sobre o mundo; crenças populares; influxos de movimentos ocultistas. Não dando muita atenção, sem eliminá-las, no entanto, às representações demasiado realistas do mundo espiritual, fica o essencial de uma grande sabedoria feita de profunda observação e experiência vivida, unida ao carisma do discernimento e da direção espiritual. Finalmente, Santo Atanásio apresenta na "Vida" como tese fundamental, que a santidade ou perfeição cristã, animada pelo Espírito e refletida nas figuras bíblicas (especialmente São João Batista, Nosso Senhor Jesus Cristo, os Apóstolos) e nos mártires da Igreja, continuava ao alcance de todos. Podia mudar, sem dúvida, o quadro externo - agora, o monaquismo tal como Santo Antão o viveu -, mas a plenitude de vida do Espírito continuava sendo a mesma.

Neste sentido, a "Vida" continua sendo um documento, não só monástico, mas simplesmente cristão, de perene atualidade. Isto explica também a imensa popularidade que a "Vida" teve em todos os tempos, a quantidade de traduções, desde as que, muito pouco depois da aparição do original grego, foram feitas do latim e do sírio, e constitui a razão mais profunda da versão castelhada (de onde vem esta portuguesa).

4. Santo Antão

Para conhecer a vida de Santo Antão tem-se como texto fundamental a obra de Santo Atanásio. Fora dela citam-se por vezes outras fontes, mas que não dão as mesmas garantias de autenticidade. Com mais ou menos segurança se lhes atribuem algumas cartas, ditadas por ele em todo caso, pois não sabia grego. Menor segurança reveste a atribuição que de alguns apoftegmas se lhe faz tradicionalmente. Fora de dúvida estão, no entanto, as notícias contidas na carta que, por ocasião da morte de Santo Antão, escreveu ao amigo deste, São Serapião, bispo de Thmuis (ob. entre 339 e 353), como igualmente a menção do historiador Sozomeno (+ 439?) e o elogio de São Gregório Nazianzeno (+ 389/390). Valem também as menções na literatura pacomiana, ainda que por vezes adornadas com um traço bem legendário. As datas da vida de Santo Antão são inseguras. A mais certa é a de sua morte, no ano 356. Segundo a "Vida" (89,3), tinha nesta data cento e cinco anos de idade. Ainda que semelhante idade, certamente não comum, não seja de todo improvável na vida de um homem, pode, no entanto, estar excedida em alguns anos. 

Sendo assim, Santo Antão teria nascido entre 250 e 260. Como lugar de origem, costuma-se dar a aldeia de Coma (Kiman-el-Arus), no Egito médio, perto da antiga Heracleópolis. Seus pais eram camponeses abastados. Além de Antão, tinham uma filha. À morte dos pais, o jovem, de uns 18 a 20 anos, vendeu a propriedade, por amor ao Evangelho, distribuiu o dinheiro aos pobres, reservando apenas algo para sua irmã, menor que ele. Posteriormente distribuiu também isso, consagrando sua irmã ao estado de virgem cristã. Retirou-se ele à vida solitária, perto de sua aldeia natal, segundo o costume da época. É a etapa de sua formação monástica, de sua apaixonada dedicação à Escritura e à oração; é também o período de seus primeiros encontros com o demônio. Depois de um certo tempo, buscando uma confrontação mais direta com o demônio, vai viver num cemitério abandonado, encerrando-se um mausoléu. Ali sofre ataques violentíssimos dos demônios, mas sem se deixar amedrontar, persevera em seu propósito. Assim chega aos 35 anos.

 Empreende então a separação decisiva: vai para o deserto. A "Vida" assinala esse passo como algo totalmente insólito nessa época (11,1). Santo Antão cruza o Nilo e se interna na montanha, onde ocupa um fortim abandonado. Ali passou quase vinte anos (14,1), não se deixando ver por ninguém, entregue absolutamente só à prática da vida ascética. Pressionado pelos que queriam imitar sua vida, Santo Antão abandona a solidão e se converte em pai e mestre de monges. Conta cinquenta e cinco anos, e junto ao dom da paternidde espiritual, Deus lhe concede diversos outros carismas. Em torno dele forma-se uma pequena colônia de ascetas (44). Nesta etapa conta-se também a descida de Santo Antão e de seus discípulos a Alexandria, por ocasião da perseguição de Maximino Daia (311), para confortarem os mártires de Cristo ou ter a graça de sofrerem eles próprios o martírio. Voltando à solidão, encontrou-a povoada demais para seus desejos. Fugindo então à celebridade, Santo Antão chega ao que a "Vida" chama "Montanha interior" (a "Montanha" exterior, ou Pispir (Deir-el-Mnemonn) havia sido até então sua residência, e nela permanece a colônia de seus discípulos), o Monte Colzim, perto do Mar Vermelho. Apesar de tudo, de vez em quando visita seus irmãos, e estes vão a ele.

A "Vida" coloca neste tempo a maioria dos prodígios que lhe atribui. A pedido dos bispos e dos cristãos, empreende segunda vez o caminho de Alexandria, para prestar seu apoio à verdadeira fé na luta contra o arianismo. Os últimos anos de sua vida passou em companhia de dois discípulos. Vaticina sua morte, faz legado de suas pobres roupas e roga a seus acompanhantes que não revelem a ninguém o lugar de sua sepultura. Gratificado com uma última visão de Deus e de seus santos, morreu em grande paz.

Ainda que a "Vida" diga explicitamente que Santo Antão não foi o primeiro anacoreta (3,3-5; 4,1-5), sustentando, por outro lado, que foi o primeiro a retirar-se ao deserto do Egito (11,1), e ainda que, além disso , seja muito difícil assinalar origens e iniciadores precisos num movimento humano tão complexo como o monástico, contudo, a figura se sobressai em forma tão extraordinária, que com razão é ele considerado pai da vida monástica e, especialmente, como modelo perfeito da vida solitária. Sua fama já em vida, acrescentada depois de sua morte sobretudo através das páginas da "Vida", é inteiramente justa. Ao celebrar sua festa, de acordo com muito antigas tradições, a 17 de janeiro, os cristãos reconhecemos o poder de Deus entre os homens, a força de sua sabedoria ao deixar-nos um exemplo em homem tão humilde, o dom de seu Espírito multiforme com a discrição e o alento fraterno do grande ancião.
Fonte: Padres do Deserto

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